quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Das paredes paralelas que se juntam...



Na infância, quando assistia desenhos e filmes de herói, era comum - alterando-se os contextos - a repetição de uma cena que me chama atenção: o herói em questão caia em um buraco (fosso) e em instantes as paredes começavam a se fechar. Ele estendia os braços colocava uma palma da mão em cada parede e empurrava em sentido contrário. Vi demais essa cena na infância, em diversos episódios de desenhos animados diferentes. A cena sempre me incomodou. Desligava a televisão e voltava depois, quando tudo havia sido resolvido. 

Mais tarde - já na adolescência - fui apresentado a obra de Albert Camus. Ao contrário da maioria, que começa pelo Estrangeiro, meu primeiro livro dele foi o Mito de Síssifo. A história do cara que é condenado a levar uma pedra ao topo da montanha. De lá, soltar a pedra. Depois ir até o “piso”, pegar novamente a pedra e reiniciar o caminho ao cume. O livro me lembrou dos episódios e das cenas que me incomodavam, descritas no primeiro parágrafo. 

Pois bem, eis que comecei a perceber - no auge da paixão pelo existencialismo - que a estada consciente em um mundo era uma linha tênue sempre imprensada por duas paredes invisíveis: “por que aqui estamos?” e “quando se fizer o silêncio total e inevitável do ‘deixar’ de ser” para onde iremos?”. Neste “imprensado”, estendemos cada palma de nossas mãos para não sermos sufocados por estas paredes. Eis que aí, concordava - já na época - com a a clássica tirada: “a existência precede a essência”. 

Passava a ser essencial a escolha de um sentido como uma prisão inevitável, para que a ausência de sentido e a completa liberdade não nos torturasse diante do fato da nossa racionalidade - permeada pelo pensamento materialista - não encontrar razão para “estar no mundo” e o em instantes “não estar no mundo”. Lembro-me de José Saramago ao falar da morte. Dizia ele não ter medo, mas um certo lamento diante do não estar mais. É um sentimento que compartilho. Não temo a morte. Eu tenho pena de morrer diante do maravilhoso milagre da existência, mesmo com todas as suas dores: as suportáveis e as aparentemente insuportáveis, que com o tempo suportamos. Afinal, insuportável mesmo só a morte, mas para que preocupar-se com ela? 

Daí, uma questão filosófica resumir tudo muito bem, como diz Camus: “só há verdadeiramente um problema filosófico: julgar se a vida vale a pena ser vivida ou não é responder a questão fundamental da filosofia”. Eu acredito que, mesmo diante das paredes que nos imprensam e dos fossos que caímos, que cairemos, ou que - por acaso - dos quais neste momento estamos tentando sair, vale sim a pena. Há na vida - vale a pena lembrar o escritor alemão Herman Hesse - um “teatro mágico só para iniciados” em novas esquinas por aí. 

É preciso exorcizar o mundo de seus demônios - como diria Carl Sagan - para conseguirmos contemplar de forma mais justa a beleza de aqui estarmos. Isto é independente de deuses, fadas, duendes, e outras forças que sirvam barra de metal para manter aquelas paredes separadas. O imprensar dessas paredes metafóricas nos leva aos questionamentos que são essenciais para a libertação. Se é que vocês me entendem, meus caros leitores. 

Já encontrei amigos que ao final destas indagações reforçaram ainda mais suas teses iniciais sobre aquilo que acreditam. Encontrei as metamorfoses ambulantes e por aí vai. O importante é que não sejamos Síssifos. E olhe que existem Síssifos por aí que levam a mais pesada das pedras do cotidiano anestesicamente confortáveis. A essência de seus valores estão postas em pedaços de papéis valiosos. E assim, dia e noite se sobe e desce pedra para acumular vil metal. Vão no avião confortavelmente na melhor poltrona, do lado da janela, mas sem tempo de olhar a paisagem. Estranho paradoxo. Estranho paradoxo de estar o tempo todo na crista da onda, mas sem tempo e inteligência o suficiente para pensar sobre a imensidão do mar. (O meu medo de usar muitas metáforas é ser incompreensível, mas nunca soube escrever de outro jeito!).

Pois bem, isto sem contar com o mundo que nos oferece mais ídolos que verdades. Mais adjetivos e frases feitas que argumentos, mais atalhos que caminhos produtivos...há quem ache isso ótimo. Eu fujo disso. Vai que a existência é só uma. Por via das dúvidas, eu ainda quero o melhor dela. E alguns dos melhores momentos estão nos segundos, minutos, horas após a superação da pior das dificuldades, quando respiramos o ar puro do alto da montanha da qual soltamos a pedra para nunca mais ir buscá-la lá embaixo. 

4 comentários:

  1. Parabéns pelo excelente texto, Luis Vilar. A vida vale a pena ser vivida: " E alguns dos melhores momentos estão nos segundos, minutos, horas após a superação da pior das dificuldades, quando respiramos o ar puro do alto da montanha da qual soltamos a pedra para nunca mais ir buscá-la lá embaixo".

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  2. Brilhante. Essa sua linha de escrita, leve mas profunda, é a que me agrada mais. Jogo a pedra fora e exclamo: texto do caralho!

    Abração,

    Pablo.

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  3. Bom texto! Meu nome não é Júlio Mersault, e tenho (acabei de criar) um blog chamado Paredes Paralelas (aí se explica como cheguei aqui no seu texto).
    E metáfora pouca é bobagem!

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  4. Valeu pela visita, Julio! Me manda o endereço do teu blog. Queria visitar. Abração

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